quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Desertor da trincheira do direito


Desertor da trincheira do direito

Miguel Peixoto

A partir desse momento

Não lhe preocupam mais

As lides processuais

Prescrição, depoimento

Queixa crime, julgamento

A sentença e seu efeito

Quem é o juiz do feito

Qual é da súmula o teor

Você é um desertor

Da trincheira do direito


Não impetra mais ação

Data venia não diz mais

Embargos também não faz

Nem faz impugnação

Mandado de injunção

Por você não será feito

Não se declara suspeito

Nem contra nem a favor

Você é um desertor

Da trincheira do direito


Precisa a sociedade

De ação reipersecutória

Ordinária, rescisória

Ou dissecção da verdade

De quem peça a nulidade

Ante o contrato imperfeito

De quem exija o respeito

Ante o agente agressor

Mas você é desertor

Da trincheira do direito


Você correu da tribuna

Não respondeu ao libelo

Em vez de Bernardes Melo

Você hoje lê Fábia Luna

Fala com Ricardo Prona

Não usa disputa ou pleito

Trata de exame e leito

E de vasodilatador

Você é um desertor

Da trincheira do direito


Você trata de embolia

De enxerto arterial

Fala em drenagem pleural

Em estase e isquemia

Já em deontologia

Mostra que o médico é sujeito

Ao código de ética aceito

Ao qual não pode se opor

Você é um desertor

Da trincheira do direito


Sobre Evandro Lins não fale

Um piauiense douto

Não fale em Vilela Souto

Sobre Rui Barbosa cale

Não cite Miguel Reale

Um acadêmico insuspeito

Um jurista de conceito

Poeta e educador

Que você é desertor

Da trincheira do direito


Hoje o que mais o seduz

Não é show, teatro ou cine

É ler Euclides Zerbini

É falar de Oswaldo Cruz

Seu negócio agora é SUS

Angina que ataca o peito

Já está ficando afeito

A tratar com morte e dor

Você é um desertor

Da trincheira do direito


Nem ações nem desavenças

Salvo ações auxiliares

Como as médico-hospitalares

Pela cura das doenças

Nada de acórdãos, sentenças

Ou de juiz contra feito

Ao condenar um sujeito

Por falha do defensor

Você é um desertor

Da trincheira do direito


Nova bandeira desfralda

Dessa vez a da saúde

Mas saiba do ataúde

A vida se desgrinalda

Nada pode a esmeralda

Quando o caso não tem jeito

A morte leva de eito

Qualquer um seja quem for

Até você desertor

Da trincheira do direito


Ao menos guarde o rubi

Esta insígnia vermelha

Que lhe serviu de centelha

No seu tempo de Davi

Lutando aqui e ali

No combate ao preconceito

Disseminando o preceito

Da justiça e do amor

Que você é desertor

Da trincheira do direito

Agora em silêncio

(...)

No mundo de cá, as relações se dão na superfície. Eu fico sobre uma pedra no rio e, enquanto você estiver na outra, saudável, amoroso e alto-astral, nós nos amamos. Se você afundar, eu não mergulho para te dar a mão, eu pulo para outra pedra e começo outra relação superficial. Mas o que pode ser mais arrebatador nesse mundo do que o encontro entre duas pessoas? Para mim, reside aí todo o mistério da vida, a intenção mais genuína de um abraço. Encontrar alguém para encostar a ponta dos dedos no fundo do rio - é o máximo de encontro que pode existir, não mais que isso, nem mesmo no sexo. Encostar a ponta dos dedos no fundo do rio. E isso não é nada fácil, porque existem os dragões do abandono querendo, a todo instante, abocanhar os nossos braços e o nosso juízo. Mas se eu não atravessar isso agora, a minha arte será uma grande mentira, as minhas histórias de amor serão todas mentiras, o meu livrinho será uma grande mentira porque neles o que impera mais que tudo é a lealdade, feito um Sancho Pança atrás do seu louco Dom Quixote, é a certeza de existir um lugar, em algum canto do mundo, onde a gente é acolhido por um grande amigo. É por isso que eu tenho de ir. E porque eu não quero passar a minha existência pulando de pedra em pedra, tomando atalhos de relações humanas. Eu vou mergulhar com o meu amigo, ainda que eu tenha de ficar em silêncio, a cem metros de distância. Eu e o meu boneco de infância, porque no meu mundo a gente não abandona sequer os bonecos que foram nossos amigos um dia.

Agora em silêncio, tentando ensinar dragões a nadar.

Texto atribuído a Rita Apoena.

Texto completo: Link

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Juramento



Doutores em humilhação

Agredir e insultar um homem a caminho do trabalho é obviamente inaceitável. Pior quando os agressores estudam medicina

Debora Diniz* - O Estado de S.Paulo


Três rapazes agridem um senhor em uma bicicleta com um tapete de carro. A força do impacto leva o homem a se desequilibrar e cair da bicicleta. Excitados pelo impulso sádico, os rapazes teriam gritado "ô, nego". Um grupo de testemunhas denuncia os rapazes à polícia. Eles são presos, o que poderia ser considerado um desfecho justo ao ritual de humilhação racial e de classe. Mas o Centro Universitário Barão de Mauá, no interior de São Paulo, decidiu também expulsá-los do curso. Eles estudavam medicina.

O que há de tão grave nessa história, além da injúria racial e da agressão física a um homem inocente a caminho do trabalho? O fato de os três rapazes estudarem medicina. Esses são desvios inaceitáveis para qualquer cidadão, mas particularmente inquietantes quando seus autores são futuros médicos. Há um espaço simbólico reservado ao médico em nossa vida social: a ele cabe o conforto, a escuta e o cuidado. Há uma expectativa de acolhimento universal que não distingue cor, idade, sexo ou religião. Um pacto silencioso de confiança é o que nos move ao entrar em um consultório médico: aquela pessoa de branco diante de nós está ali para cuidar de nosso medo da morte.

Dos médicos se espera mais do que o simples cumprimento das regras fundamentais da cidadania: é preciso uma consciência ética sobre o lugar sagrado que socialmente lhes é reservado. Por isso, não pode haver médicos racistas, sexistas ou violentos. As crenças privadas de um médico são simplesmente seus valores sobre o bem viver, o que não lhes confere nenhuma autoridade para julgar ou reprimir moralmente seus pacientes. Um ginecologista, por exemplo, não tem o direito de expressar suas inquietações homofóbicas ao atender uma paciente lésbica, assim como um obstetra de um hospital público, na ausência de colegas que o substituam em um plantão, deve atender uma mulher com autorização para o aborto legal. Esses encontros atualizam a consciência ética que todo médico deve ter ao exercer a medicina.

O homem da bicicleta foi humilhado pelos três rapazes que acreditavam ser divertido agredir ou assustar pessoas a caminho do trabalho. O exercício da humilhação é um instrumento de poder dos fortes e os médicos são indivíduos com poder sobre o corpo vulnerável de um paciente. Mesmo que não estivessem ainda no exercício da medicina, os rapazes testavam os limites das vantagens conferidas pela desigualdade de classe e de raça que contornam nossa vida social. Se um dia vierem a ser médicos e ainda distantes da consciência ética sobre a dor do outro, eles terão outros homens da bicicleta como pacientes e diante deles expressarão semelhante desprezo. Certamente, não mais os agrediriam com um tapete nas costas, mas com a indiferença pelo sofrimento.

Muito se fala na humanização da medicina e das outras profissões de saúde. Essa expressão é uma forma simples de traduzir alguns dos valores fundamentais que devem acompanhar a formação ética dos futuros médicos. Um bom médico não é apenas aquele que se atualiza nas técnicas e conhecimentos sobre sua especialidade, mas é principalmente aquele que se aproxima de seu paciente e é capaz de entender as sutilezas do seu sofrimento. O reconhecimento do papel simbólico do médico está diretamente relacionado ao exercício desses atributos. Por isso, no sentido mais clássico da expressão, um bom médico exercita a nobreza de caráter.

A expulsão do curso de medicina não deve ser entendida como um ato de vingança ou de duplo castigo. Os rapazes foram submetidos a duas ordens de julgamento. A primeira foi penal e resultou na prisão temporária e no pagamento da fiança pela agressão. A segunda foi ética e anuncia um sinal importante dado por aqueles que se preocupam com a formação dos futuros médicos - há valores fundamentais à consciência ética de um médico e um deles é o respeito ao humanismo. A decisão da faculdade em expulsá-los indica que, apesar da intensa mercantilização da medicina, a ética importa para a formação médica.

Há vários desafios éticos na formação das novas gerações de médicos. O modelo brasileiro de saúde pública se vê continuamente ameaçado pela sedução mercantil da medicina dos desejos, como é o caso das cirurgias estéticas. A medicina deve ser uma prática que reconhece a universalidade da condição humana e não simplesmente o poder de consumo de seus pacientes. O medo da morte e as fragilidades que nos acompanham são parte de nossa condição humana compartilhada e desconhecem qualquer diferença que nos situem como trabalhadores negros ou estudantes brancos de uma faculdade privada.

* Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Coming back



I´m coming back home!

Uhuuu!!!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Reação


Vivemos em tempos de dores. As catástrofes, as guerras e as aberrações estão se tornando cada vez mais frequentes. A natureza (me refiro também às relações humanas, afinal de contas nós somos natureza) está reagindo. Terremotos, enxurradas, tsunamis e o que é pior, a falência do bem maior que nós temos: a família. E o ser humano se vê num dilema: morrer de uma tragédia ou viver nesta penúria. Sem saber o que é melhor. Não me encanta essa visão catastrófica, quase terrorista da vida. Mas é preciso refletir sobre como cada um de nós vivenciamos esta experiência; como cada um de nós se relaciona com o que está ao nosso redor.

Hoje pense como é sua relação com as pessoas e com o planeta. Será que a sua contribuição, o seu legado é construtivo ou destrutivo? Fortaleça a sua religiosidade, porque o Haiti é só o princípio das dores, mas Mateus é muito claro ao dizer que "aquele que perseverá até o fim será salvo."

O que está no fim é o mundo como a gente vê, e não o planeta que a gente vive.